MODERNIDADE LIQUIDA E SEUS EFEITOS NAS RELAÇÕES HUMANAS

Alesse Nunes
12 min readDec 8, 2020

Tema: Relações Humanas Virtuais

​Recados Gerais

​Gostaríamos de ressaltar e demarcar o estilo da nossa apresentação. Como já foi mencionado na nossa primeira Live, ela não tem caráter de esgotar o tema ou a teoria que escolhemos para sustentar o diálogo. Temos um tema central e escolhemos uma teoria como fio condutor do diálogo/reflexão. Assim, sugerimos que vocês possam buscar depois os autores citados e as teorias mencionadas para um maior aprofundamento.

Conceito de Modernidade Líquida

​O autor estudado para o nosso diálogo é sociólogo polonês Zygmunt Bauman que desenvolveu um conceito denominado de MODERNIDADE LÍQUIDA que diz respeito a uma nova época em que as RELAÇÕES SOCIAIS, econômicas e de produção SÃO FRÁGEIS, fugazes e maleáveis, como os líquidos. Para Bauman, a modernidade poderia ser dividia em duas: Modernidade Sólida e a Modernidade Líquida.

A Modernidade Sólida teria como característica promover relações solidamente estabelecidas, fortes e duradoura. Se caracteriza pela rigidez e solidificação das relações humanas, sociais, da ciência e do pensamento. As relações sociais e familiares seriam rígidas e duradoura a partir de uma tradição que pregava uma rigidez nestes campos da vida. Ou seja, haveria pouca liberdade de mudança. Sair desse modelo poderia ser um processo.

A Modernidade Liquida, proposto por Bauman, aponta para um período oposto da modernidade sólida em que as relações humanas, sociais e econômicas se constituem numa FRAGILIDADE DE LAÇOS ENTRE PESSOAS E DE PESSOAS COM INSTITUIÇOES.

É importante frisar que não estamos analisando estes períodos de forma moral, ou seja, defendendo qual seria melhor. Mas pensar alguns pontos que podem trazer impasse na vida das pessoas, promovendo sofrimento e incapacidade de enfrentamento das dificuldades.

Retomando as características da modernidade líquida, Bauman afirma que os laços humanos entram na lógica do consumo onde as pessoas são avaliadas não pelo que são, mas pelo que elas compram, ou seja, a partir do que elas têm e podem oferecer (somos ao mesmo tempo consumidor e produto). As pessoas não têm mais valor em si mesma. É aqui que essa lógica se torna perigosa. Se elas não têm mais valor em si mesmas, elas podem ser trocadas, substituídas como se fosse um produto. Você é medido pelo o que pode oferecer ao outro (empresa, comunidade, a outra pessoa), caso este outro perceba que você não pode oferecer mais nada, somos descartados como produto.

Nesta lógica da modernidade líquida, o sujeito se tornou um “empreendedor” de si mesmo e recai sobre ele o fracasso e a responsabilidade do sucesso. Mas não é isso que ocorre na realidade, ao mesmo tempo que temos a ilusão de que recai sobre mim o poder de sucesso, o meu sucesso ao mesmo tempo recai sobre o outro legitimar este sucesso. Aqui se apresenta a ilusão das relações. Você pode ser o melhor, mas se o outro não reconhecer isso por alguma razão, seu valor é nulo.

Este modelo vela, esconde uma lógica muito perversa: se você não tem sucesso, a responsabilidade é totalmente sua. Mas se a lógica da relação é mercadológica, por exemplo, se você é mandado embora do trabalho mesmo tendo experiência e currículo, porque a empresa quer economizar e contratar uma mão de obra mais barata, onde entra a lógica da qualificação?

A partir dessa reflexão já podemos notar que esta lógica promove muito sofrimento, pois o sujeito/indivíduo, por mais que ele se esforce, se qualifique, faça por onde merecer, o que rege sua relação é frágil.

Bauman salienta que as relações ficam abaladas com o surgimento da lógica da modernidade líquida, pois as conexões nas relações humanas se tornam superficiais e os elementos “desligar, excluir, deletar, bloquear” passam a mediar as relações que podem ser desfeitas a qualquer momento e as relações passam a entrar na lógica do consumo, onde o outro é um produto e eu o consumidor e vice e versa. Por isso que se produz uma relação frágil.

Relações Humanas na Modernidade Líquida

Todos nós sabemos a importância das relações sociais. Isso ficou claro neste momento em que estamos passando em relação a pandemia que afetou e afeta diretamente nossos laços sócias. Sabemos também que promover um laços sócias (seja no trabalho, na família e amoroso) é desafiador e que exige um esforço constante de fazer este laço permanecer. Uma coisa é fato, quando convivemos com outras pessoas, melhoramos como pessoa, pois é na relação que podemos desenvolver e evoluir.

Se na modernidade sólida o sujeito entrava numa empresa e ficava até aposentar, um casamento durava a vida toda sem possibilidade de separação, as pessoas nasciam e morriam na mesma cidade, na modernidade liquida, estas certezas que cada pessoa tinha para si já não existe mais. Vale ressaltar que não se trata de avaliar se as relações eram melhores ou se as pessoas eram mais felizes. O que estamos dizendo que neste período havia uma maior certeza sobre nossos “destinos”.

O que Bauman vai apontar que ao mesmo tempo que encontramos pontos positivos, temos que também pensar os pontos negativos. É claro que as pessoas passaram a ter maior liberdade, não precisam mais ficar presos a casamentos infelizes, a trabalhos nocivos e as condições que não eram passíveis de mudança. Hoje temos mais condições de movimentação e isso é muito positivo.

O que Bauman quer pensar na modernidade líquida é a qualidade da relação. E para pensar isso ele desenvolver um conceito chamado de AMOR LÍQUIDO que é a ideia de pensarmos as relações de forma frágil e descartável e, com isso, as relações se sustentam na facilidade de mudar

A ideia de amor líquido é pensar que temos um modelo de relação que se torna fácil, descartar o outro. Com isso, as relações se sustentam nesta facilidade de mudar. O que Bauman nos ajuda a pensar é que se perde a habilidade de se sustentar uma relação se perde o exercício de avaliar e refletir o que se pode mudar para manter uma relação mais duradoura. Se promove uma relçao onde qualquer problema que houver, se descarta. Não se dá chance para uma reflexão e isso vela, esconde a nossa própria incapacidade de promover uma relação mais saudável. E corremos o risco de achar que o problema está sempre no outro. Se o outro não me oferece o que eu desejo, se ele não me completa por inteiro, não me serve.

Está lógica é ruim pois não levamos em consideração que eu posso ser o problema da relação. Mais que isso, revela que eu não quero saber sobre o enfrentamento da própria dificuldade que uma relação impõe. O outro se torna um produto em que ele só é útil até quando ele me servir, após isso, se não me serve, posso descartar, sem ao menos fazer uma reflexão sobre a própria relação. O amor líquido faz com que as pessoas sintam dificuldade em manter relacionamentos de longa duração.

Não quer dizer que temos que manter uma relação a qualquer custo, não é disso que se trata. O que se trata é promover um modo relacional frágil e isso promoverá sofrimento porque estaremos tentando esconder o enfrentamento da dificuldade que a vida em si impõe. QUANDO PROMOVO UM MODO DE RELAÇÃO DESCARTÁVEL, O QUE ESTOU PROMOVENDO É UM MODO DE ENFRENTAMENTO DA DIFICULDADE.

De acordo com Bauman, hoje as pessoas têm uma grande liberdade sexual e podem se relacionar com diferentes parceiros em busca do prazer. No entanto, ele afrma que essa facilidade não favoreceu a qualidade das relações amorosas como poderia se pensar.

O que está em jogo não é uma análise moral (de melhor ou pior, de certo ou errado), mas entender que o modo como nos relacionamos tem efeitos na saúde mental do sujeito. Este modelo que produz sofrimento é sustentado pela ideia de FELICIDADE, ideia capitalista de que a felicidade está vinculada a um produto, a uma condição final que vamos chegar. E caímos numa “roda de busca da felicidade” onde ficamos girando em busca desse destino final.

Assim como sustentamos na live anterior sobre a Positividade Toxica que tenta banir o sofrimento, afetando a capacidade do sujeito de enfrentamento desse sofrimento, essa noção de felicidade promovida na modernidade liquida também causa o mesmo efeito. A felicidade não seria um lugar, mas a capacidade de lhe dar com as dificuldades que as relações promovem e se vamos manter estas relações ou não, o elemento dessa equação não será mais uma tentativa de não querer enfrentar a própria dificuldade.

A sociedade líquida pode promover um modo de relação em que a velocidade da mudança seja mais importante do que a consolidação dessas relações. Se estes indivíduos não conseguem promover um modo de consolidação, isso promoverá um efeito de sofrimento. É uma sociedade que alimenta a vida líquida.

Anotações gerais para adicionar no cronograma

O que não podemos permitir é um modo de vida promoção de um vinculo onde não se tenta velar a propria dificuldade que a relçao nos coloca. O queimporta é a velocidade, e não a duração, pois com a velocidade certa se podeconsumir toda a eternidade no presente contínuo. A

A vida líquida alimenta a insatisfação do eu consigo mesmo

A vida liquida é uma vida de consumo. Tudo se torna objeto de consumo

A vida sempre foi de incertezas, mas o que vai surgindo são discurso norteadores de estilo de vida que vai promovendo ainda mais sofrimento e vai produzindo um sujeito incapaz de lhe dar com sua dificuldades/sofrimentos

Redes sociais

ele as cria e destrói as relações com rapidez. Se cria uma rede/conexaoes de laços que o que está em o que se sustenta é a incerteza de que este laço terá vida longa.

Para Bauman, “a vida líquida é uma vida de consumo” e o que se consome é o outro como objeto, eu o uso apenas para satisfazer a mim mesmo, as minha necessidades sem levar em conta a minha responsabilidade nesta relação.

Estamos em constante movimento sem fim. Sempre acharemos que estamos ultrapassados e que a qualquer momento seremos dispensado, excluido. Isso é muito nocivo. Isso torna a vida insatisfatória.

Talvez seja porque as inovações tecnológicas, os governos, a mídia e o mercado produziram umambiente em que é cada vez mais fácil “apagar, desistir, substituir”. E a velocidade com que issoocorre é que dá à vida esse caráter inconstante.

E a velocidade com que issoocorre é que dá à vida esse caráter inconstante. É como se cada pessoa estivesse eternamente àprocura de algo que possa ser seu novo objetivo ideal (uma espécie de Santo Graal), mesmo semcompreender porque havia buscado o já ultrapassado objetivo que ainda tem em mãos.

A velocidade com que o indivíduo transita entre o amor e o desapego, entre a relevância e odescaso, entre o moderno e o ultrapassado, entre o essencial e o desnecessário provoca umaumento exponencial do lixo.

Mudança rápida sem reflexão

“A vida líquida é uma vida precária, vívida em condições de incertezas constantes”

A vida líquida é uma sucessão de reinícios, ou melhor, uma sucessão de finais, pois livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las. É preciso acelerar o ato de adquirir para que se possa ter o prazer de jogar fora. É o ato de jogar fora que confere sentido ao de adquirir.

Entender a palavra virtual

O tema da modernidade liquida é um tema sociológico, porém, seus efeitos podem ser pensados em outros campos de saberes como a psicologia e a educação.

Não estamos mais lhe dando com modalidades fixas e sim plurais e nossa posição é sempre se perguntar quais os efeitos disso e aqui nossa pergunta é: quais os efeitos disso nas relações humanas/sociais.

Liquido no sentido que vai tomando outras formas que não sólidas. O LIQUIDO não conserva sua forma. As nossas elações são marcadas por um modo liquido, que muda rapidamente. Se busca o prazer no agora e não se paga para ver na construção de alo solido, se busca a realização individual e não mais coletiva. Se diminui o olhar ao outro, a compaixão, promovento um isolamento social, mesmo em meio a redes. É um paradoxo por vivemos num mundo globalizado. Se busca afeto mas não se vive uma relação mais profunda. Existe uma oferta de vinculo, de conexões, mas são luquidas, o romper, desfazer vinculo é o elemento desse modo.

A rapidez desse modelo produz no sujeito uma mesma lógica em relação ao sofrimento e a busca de curas que garantam sua cura em 1 dia. Existe uma “rapidez de cura do sofrimento” e isso produz discursos como a Positividade Toxica. Por conta do tempo liquido, rápido, o sofrimento tambem entra nesta mesma lógica.

As relações/vinculos estão liquidas por sofrerem transformações mais rápidas, as pessoas se conectam e desconectam mais rapidamente e isso acontece por um excesso de oferta afetiva. “se ele não quer tem quem quer”, “a fila anda”, afeta a dimensão da intimidade, superficialmente. Mas tem o lado positivo que estas mudanças nos deixa mais “livre”, um exemplo disso é a posição da mulher que não precisa mais ficar num casamento por obrigação. Um casamento não precisa ser mais para sempre, temos esta liberdade de escolher e encerrar para começar outra relação. O problema é viver estas relações de forma superficial, intima e profunda, justamente por conta dessa liberdade.

Esta ideia tras uma ideia de que temos que substituir algo de forma mais rápida. E no campo do sofrimento, as vezes temos que viver este sofrimento para que ele posso se transformar em algo positivo (o luto por exemplo). Lhe dar com nossas faltas e não tentar cobrir-los a qualquer custo, de qualquer maneira. Não usar as redes como uma ferramenta para emcobrir esta falta, este vazio. Essa rapidez afeta nossa capacidade de reflexão.

Vai afetando a capacidade de manter laços a longo prazos e gera insegurança (amor piquido). O mundo virtual produz solidão por produzir um tipo de relação social. Liquido indica que se dissolve, nada é feito para durar, tem estrutura que sem forma definida. Estamos o tempo todo seduzidos nas redes, mas sem ter condição de dar densidade, compromisso, continuidade, sem construir vinculo. Desfazer é o elemento desse modo operacional. Banaliza o laço. Quando eu tenho um modelo que facilita de desvinculo, eu não estou promovendo uma reflexão sobre este próprio vinculo.

Promove uma configuração de relação social, laços frágeis

A busca da rapidez da mudança promove mais sofrimento e as redes sociais é um lugar de ilusão pois dá a falsa sensação de que isso é possível. Vc termina um namoro, um casamento, perde um emprego, em seguida vc vai e, via a publicação, diz para seus seguidores: “Olhem, estou bem, estou pronto para algo novo, vejam, sou capaz de dar conta dos rompimentos” e a partir das curtidas, uma falsa sensação de que realmente sou capaz.

Isso vai produzindo um modo de vida, um modo de enfrentamento das dores, do sofrimento que a própria vida, as relações afetivas promovem.

Quando eu posto uma foto, estou atrás do que? Não é de uma relação em si, mas meu objeto de conquista é o olhar do outro que vai promover em mim um efeito narcísico. Eu seduzo (a rede é um lugar de sedução) mas não para criar algo concreto, como uma paquera pode promover (sim, eu posso paquerar nas redes e ter efeitos concretos), mas o que me interessa é ter um retorno de que eu posso ser sim um objeto sedutor. (Livro do Dunker)

Só que aqui temos uma questão que é quando este lugar de sedução em que eu me coloco não é correspondido. Ou pior, quando vejo que tem gente que é mais bonito do que eu, gente que está num lugar mais bonito do que eu, com gente bonita, com bebidas caras e etc. A mensagem retorno rasgando nosso narcisismo que faz a gente cair na real, ou demarca, de que este lugar imaginário que tento ocupar é frágil e ai terei que se a ver com isso, com o meu fracasso que a idealização imaginário não deu conta de sustentar. O que retorna a mim mesmo é um estranhamento em relação a si mesmo. O que eu busco é um reconhecimento sobre o meu “fracasso” de não ter a beleza vendida na moda, a casa que aparece nos filmes e etc.

Assim, o produto da relação humana virtual é apenas de caráter individual, se vc me tem como objeto de desejo, então vc pode ser meu amigo, caso contrário, eu desconecto vc de mim. O que cai num giro narcisisco onde vc acha que é vc o elemento fundamental da relação. Se o outro não me quer, não me serve.

Podemos pensar que o que estamos querendo consumir nas relações humanas são estes olhares e não mais um modo de vida relacional que implica em sí todas as dificuldades

Mundo líquido é o mundo sem forma. A ideia de Baumam com sua teoria de Modernidade Líquida é substituir o conceito de Pós Modernidade onde o que sustentava as relações humana, de alguma forma, era a ideia de “Certeza Absolutas”. É um mundo que produz um discurso que orienta a forma de vida das pessoas

A sociedade ligada pela tecnologia, pelos tabletes e celulares, sociedade que desconhece noção de individualidade, sociedade que comunica o almoço. Uma sociedade que o privado e o público se perdeu, se comunica que quando se vai deitar. Não há possibilidade de caminhar num objetivo sem comunicar aos outros. Nós somos os autores da violação da privacidade, pois sou eu que autorizo que a minha privacidade seja invadida quando a torno ela pública.

Quando eu aceito alguém para fazer parte da minha rede social e depois reclamo que ele curtiu todas as minhas fotos ou comentou algo que eu não gostei, não percebe que quem abriu a porta da “sua casa” foi você mesmo. O que estamos denunciando aqui, é a incoerência da minha ação e da minha reclamação.

A ideia de liquidez atingiu o campo do valor. Os valores deixaram de ser valores definidos

Acesso a informação e não a formação. O campo da ética sofre com o mundo líquido.

Metáfora do liquido marca um modelo de relação social

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Alesse Nunes

Journalist, SDGs Activist, M.A. in International Peace Studies, Ph.D. Researcher in Education at Soka University